domingo, 10 de maio de 2015

Victor Gil - NOVAS FORMAS DE ASSOCIATIVISMO (2013)


ENCONTRO MUNDIAL DE MULHERES MIGRANTES

 

“Expressões Femininas da Cidadania”

Palácio das Necessidades, 24 e 25 de outubro de 2013

 

2.º Painel – Comunidades Portuguesas. Novas formas de associativismo

 

Uma breve palavra introdutória para saudar todos os presentes, a começar pelos membros deste painel, e agradecer à Dr.ª Manuela Aguiar e à Dr.ª Rita Gomes o convite para participar neste Encontro, mais uma bela iniciativa promovida pela Associação Mulher Migrante, na linha da valorização das comunidades, em especial das mulheres e do seu papel nos vários setores da vida social.  

 

Portugal, ainda hoje um país de emigração  

Quando nos anos setenta, mais precisamente em janeiro de 1973, iniciei as funções de técnico no então Secretariado Nacional da Emigração, a emigração portuguesa continuava com elevados níveis de fluxos, se bem que inferiores às grandes vagas registadas na década de sessenta. Após o termo da II Guerra Mundial, na opinião de Francisco Carvalho, autor do livro “A emigração portuguesa nos anos 60 do século XX – Porque não revisitá-la hoje?”, Portugal teria entrado numa nova fase de fluxos migratórios que começou a estruturar-se nos anos 50 e que veio a acentuar-se nos anos 60 seguintes.

Foi por esses anos, segundo muitos analistas dos movimentos migratórios internacionais, que se esboçou o início de uma segunda era de migrações de massa da época contemporânea – a primeira decorreu entre 1850 e 1930 –, caracterizada, no fundamental, pela sua mundialização, abrangendo regiões que antes pouco eram tocadas por esse fenómeno, e pela sua regionalização. Numa população mundial de 7 mil milhões de habitantes, mil milhões encontram-se numa situação de mobilidade, correspondendo três quartos a migrações internas e um quarto a migrações internacionais. Hoje, os migrantes internacionais ultrapassaram os 200 milhões e, virtualmente, constituem o quinto país do Mundo. É a partir dessas novas realidades das migrações que Catherine Wihtol de Venden, diretora de investigação no CNRS em França e autora de número significativo de obras na área das migrações internacionais, passou a classificar os movimentos migratórios em quatro grandes configurações: Sul-Sul, com 62 milhões de migrantes; Norte-Norte, com 50 milhões; Norte-Sul, com 14 milhões e Sul-Norte, abrangendo 63 milhões.

No que respeita à emigração portuguesa, continuando a apoiar-me no trabalho já citado de Francisco Carvalho, a evolução registada nesses períodos foi a seguinte:

- De 1945 a 1970 - 1,1 milhão de emigrantes, com especial incidência na década de 1961 a 1970, pois, em apenas 10 anos, o total de saídas foi de 681. 004;

- De 1971 a 1980 - 364.851 emigrantes;

- De 1981 a 1988 - 131.059 emigrantes (Em relação aos anos de 1989 a 1991, as Estatísticas Demográficas do INE não publicaram dados sobre a emigração);

- De 1992 a 2003 - 336.741 emigrantes.

A partir de 2003, deixou de haver a publicação de estatísticas sobre a emigração. O INE lançou depois um sistema de recolha de informação através do “Inquérito aos Movimentos Migratórios de Saída” mas o sistema veio depois a ser suspenso, em virtude dos dados obtidos revelarem margens significativas de erro. Mais recentemente, o INE começou a publicar as “Estimativas Anuais de Emigração” para emigrantes permanentes e temporários.

De 2008 a 2012, as estimativas são as seguintes:

Emigrantes permanentes

- 2008 – 20.357 emigrantes:16.286 homens e 4.071 mulheres.

- Local de residência futura: 15.581 emigraram para países da UE e 4.776 para países extra-comunitários;

- 2009 – 16.899 emigrantes: 13.519 homens e 3.380 mulheres.

- Local de residência futura: 10.891 optaram por países comunitários e 6.008 por países não comunitários;

- 2010 – 23.760 emigrantes: 19.008 homens e 4.752 mulheres.

- Local de residência futura: 14.838 dirigiram-se para países da UE e 8.922 para países não membros da União Europeia;

- 2011 – 43.998 emigrantes: 31.329 homens e 12.669 mulheres.

- Local de residência futura: 28.489 partiram para países da EU e 15.509 para países fora da EU;

- 2012 – 51.958 emigrantes: 34.540 homens e 17.418 mulheres.

- Local de residência futura: 34.418 escolheram como destino países da EU e 17.510 países não comunitários, sendo desconhecida a opção de 30 emigrantes.

Emigrantes temporários

- 2011 – 56.980 emigrantes;

- 2012 – 69.460 emigrantes.

Se bem que não disponhamos de dados obtidos através de um sistema de recolha direta de informação sobre a emigração portuguesa, as estimativas publicadas pelo INE têm todavia a marca da autoridade e da qualidade, por procederem do órgão central do Sistema Estatístico Nacional. Elas constituem por conseguinte a origem dos dados de que me servi para destacar algumas das tendências mais marcantes dos atuais fluxos emigratórios portugueses, que passo a resumir:

1.º A permanência do fenómeno no quadro da evolução histórica da sociedade portuguesa e, numa perspetiva mais ampla, dos movimentos internacionais de mão-de-obra;

2.º O seu significativo aumento registado nos últimos anos, em consequência da atual crise financeira e económica internacional e das suas repercussões na economia e na sociedade portuguesa, com o crescimento, em especial, do desemprego;

3.º O aumento do número dos trabalhadores temporários e da sua percentagem no quadro dos movimentos migratórios portugueses. Faltam dados para aprofundar a análise desta categoria de emigrantes mas, pelo conhecimento direto de muitos casos, penso que uma parte significativa será constituída por trabalhadores destacados;

 4.º - A nível dos grupos etários, a larga percentagem é constituída por população ativa, com principal incidência nos grupos etários entre os 20-24 anos e os 30-34. Mesmo assim, não deixa de ser significativa a percentagem das crianças e dos jovens, ente os 0-4 anos e os 15-19 anos, o que pode indiciar a saída de importante número de agregados familiares;

5.º - Por distribuição por sexos, continua a verificar-se uma predominância significativa da saída de homens, devido aos movimentos de temporários, na sua quase totalidade constituída por emigração masculina, embora se verifique que há cada vez mais mulheres isoladas a emigrar, mas numa percentagem ainda inferior à que se regista a nível internacional. Hoje, metade dos migrantes internacionais são mulheres, cujo perfil registou todavia uma evolução muito significativa. O perfil tradicional da mulher que emigra para se juntar ao marido, no quadro do reagrupamento familiar, tem vindo progressivamente a dar lugar ao perfil da mulher independente, à procura de emprego, e a modalidades de emigração específicas, tal como a migração de mulheres de países do sul para se ocuparem dos cuidados às pessoas da terceira idade dos países industrializados, quando o nível de cuidados médicos é reduzido;

6.º - A crescente diversificação dos destinos, se bem que os países comunitários continuem a ser os principais países recetores da nossa emigração;

7.º Sobre a evolução por categorias socio-profissionais e respetivo grau de qualificação, lamentavelmente, faltam as estatísticas. A nível internacional, a mobilidade estudantil e o êxodo dos jovens qualificados ganharam particular importância nas novas configurações migratórias Sul-Norte e Norte-Norte. Parece assim evidente que se vai acentuar a tendência da nova emigração portuguesa ter de responder a critérios de qualificação cada vez mais exigentes.

 Em resumo, quando agora me aproximo do fim da minha carreira profissional, a emigração voltou a atingir níveis idênticos aos de outros períodos de crise da nossa história, tal como nos anos 20 ou 60 do século passado A emigração continua a ser, citando Vitorino Magalhães Godinho, uma constante “estrutural” da vida nacional e uma insubstituível via de acesso ao emprego ou à melhoria dos rendimentos e das condições de vida para milhões de nacionais portugueses, a exigir das autoridades portuguesas, tal como nos anteriores períodos de crise, uma intervenção atenta e ajustada às reais necessidades dos novos fluxos emigratórios.

 

Comunidades Portuguesas, os novos países de acolhimento  

Quanto à orientação da emigração em termos de países de destino, nas suas grandes linhas, registou-se uma profunda mudança no pós-guerra, sobretudo nos anos 60 e 70, com uma inversão nas preferências geográficas, verificando-se uma diminuição progressiva dos movimentos para os países do continente americano, designadamente para o Brasil, a par do aumento contínuo das preferências pelos países europeus, principalmente pela França. A um ciclo transoceânico sucedeu um ciclo europeu ou, como diz Francisco Carvalho, passou-se “do ciclo americano da emigração nacional, essencialmente brasileiro, para o ciclo europeu, que é fundamentalmente francês”. No seu ponto de vista, passo a citá-lo, “este desvio nas preferências geográficas do emigrante português entender-se-á melhor se pensarmos que os candidatos à emigração passaram a poder optar entre a tentativa de fortuna a longa distância, além-atlântico, que já por si imprimia à partida uma certa miríade longínqua e um carácter até certo ponto definitivo, e os novos horizontes de emprego e de promoção social que, mais de perto, na Europa, ofereciam alguns dos países industriais, como era por exemplo a França”.

A França passou a ocupar o primeiro lugar dos destinos da emigração portuguesa, com um efetivo que foi gradualmente aumentando e que poucos anos depois se transformou no mais numeroso de todas as comunidades estrangeiras residentes no território francês. Mas para além da França, outros países vieram também a acolher significativas comunidades portuguesas, como a Alemanha, o Luxemburgo, a Bélgica, a Holanda e, alguns anos mais tarde, a Suíça, a Espanha e o Reino Unido.

De data mais recente, em consequência da grave crise por que o País passa, com o agravamento do desemprego, mas também de outros fatores, nomeadamente de ordem externa, como a crescente mobilidade a nível internacional, a generalizada procura de mão-de-obra qualificada, por parte dos países mais desenvolvidos, mas também dos países emergentes e dos países do Golfo, extremamente dependentes da mão-de-obra estrangeira, a emigração portuguesa voltou a conhecer, como o deixei anteriormente documentado, uma nova retoma, traduzida no seu crescimento, na diversificação de perfis dos emigrantes e na procura de novos destinos. É neste contexto que se regista o aumento de saídas para o Reino Unido, Angola, Macau, Moçambique, Índia, Irlanda, países do Golfo e outros países mais. Segundo dados da DGACCP relativos a 2012, saíram do País, pelo menos, 130.000 portugueses, juntando-se aos mais de quatro milhões espalhados pelo Mundo. Uma parte deles dirigiu-se para países tradicionais da emigração portuguesa, como a França, que ocupou a primeira posição, o Brasil, a Suíça, a Alemanha, a Venezuela e o Canadá mas outra parte, igualmente importante, para novos países de acolhimento.

No elenco desses países elaborado pelo Observatório da Emigração, num total de 193, tantos os que conta atualmente a Organização das Nações Unidas (ONU), há cerca de 100 onde foi assinalada a presença de portugueses. Outras diásporas têm uma dimensão numérica muito superior à portuguesa mas poucas são por certo as que a igualam na sua distribuição por tão vasto e diversificado universo de países de acolhimento, em razão da variedade de religiões, línguas, diferenças de níveis de desenvolvimento, sistemas sociais e de valores, assim como da sua história e da própria história, em cada país, dos movimentos migratórios.

As diferenças entre os vários países onde residem os nossos compatriotas determinam, por força dos condicionalismos daí resultantes, que a sua situação seja também diferente de país para país. Com efeito, as comunidades portuguesas apresentam diferenças de umas para as outras mas é de notar que, não obstante as particularidades de cada uma, existem obviamente pontos comuns entre elas, com destaque para os seguintes:

a)      A situação regular em que se encontra nos países de acolhimento a generalidade dos portugueses neles residentes.

Os casos de clandestinidade atingiram desde sempre elevados montantes. Nos anos sessenta, a emigração clandestina, na quase totalidade para França, atingiu mais de 57% da legal e, no período de 1891 a 1960, dos mais de 1.500.000 que ilegalmente se fixaram no estrangeiro cerca de 600 mil fizeram-no na América Latina. Hoje, os casos de situação irregular estão muito mais limitados, de que é indicador o número de 21 nacionais portugueses que em 2012 foram deportados ou expulsos, com apoio social, dos seguintes países: EUA (16), Canadá (1), Argentina (1), Tailândia (1), Grécia (1) e Reino Unido (1);

b)       A elevada taxa de atividade dos portugueses no exterior e o exercício de todo o tipo de atividades, desempenhando as mais diversas profissões e ofícios, cuja diversificação e hierarquização têm vindo a progredir à medida do aprofundamento da sua participação na vida dos países de acolhimento;

c)      A ligação ao país, materializada na vontade de manter viva a língua portuguesa nas comunidades e de promover a cultura portuguesa; nas frequentes visitas ao país; no envio de remessas; na aquisição de propriedades, nomeadamente de residências; no crescente investimento nos vários setores de atividade; na participação eleitoral; etc…

As nossas comunidades constituem no seu conjunto uma verdadeira diáspora, fiel à memória do legado de tradições, costumes e valores transmitido de gerações em gerações, à qual muito se deve o facto de Portugal beneficiar de uma importante influência a nível internacional, contribuindo para que uma língua de 10 milhões de habitantes seja a terceira língua europeia mais falada no mundo;

d)     A sua situação face ao Estado português.

Segundo o art.º 14.º da Constituição da República Portuguesa, “os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país”. O direito de emigrar ou sair do território nacional e o direito de regressar são constitucionalmente garantidos a todos os cidadãos no n.º 2 do artigo 44.º da CRP.

Na intervenção que fez em 5 de junho de 2001 para apresentar o projeto de lei n.142/VIII no âmbito do repatriamento voluntário, a Dr.ª Manuela Aguiar, então na qualidade de deputada pelo Círculo Eleitoral pelo Resto do Mundo, afirmava que “que só com a Constituição democrática de 1976 rompemos, definitivamente com a mais antiga e tradicional das nossas políticas no domínio das migrações – e, desde o século XVI, a única constante – que, segundo os bons autores, se limitava a proibir ou a dificultar o êxodo imparável das populações para o exterior”. Lembrava a seguir que “já no século XX, a primeira verdadeira medida de apoio aos emigrantes, com a assistência na fase de saída, incluiu o acompanhamento das viagens transoceânicas e a inspeção das condições de segurança e salubridade a bordo dos navios, quase invariavelmente más. Foi a chamada “política de trajeto de ida”. Depois, os homens ficavam entregues a si próprios, apesar dos protestos de tantos dos nossos diplomatas, que souberam erguer-se em sua defesa e traçar o quadro da miséria de uma minoria de desafortunados - sempre uma minoria, embora a repatriação tenha atingido, no século XIX e na primeira metade do século XX, em alguns períodos, cerca de 1/3 do total de emigrados”.

Foi assim no passado, ainda não muito distante, mas hoje o dever do Estado para com os cidadãos expatriados estende-se, imperativamente, a todas as fases do “ciclo migratório, desde que o emigrante planeia a saída, durante a sua viagem, no tempo de permanência no estrangeiro e na hipótese de um eventual retorno”.

Nesse amplo quadro de atribuições, são três os eixos principais da ação do Estado no âmbito da emigração e das comunidades portuguesas:

1) A defesa e proteção dos direitos e interesses dos emigrantes portugueses;

2) A promoção da sua participação cívica e política nos países de acolhimento, procurando por essa via contribuir para a melhoria do estatuto das comunidades portuguesas e a valorização pessoal dos membros;

3) A manutenção dos laços com o país.

O Estado tem uma função fundamental e insubstituível no tocante à primeira das três áreas referidas, ainda que a sua ação possa ser apoiada por organizações não-governamentais, indistintamente da sua natureza e origem. O seu exercício processa-se a nível bilateral, no quadro das suas relações com os outros Estados, incluindo no âmbito comunitário, regulamentadas hoje pelas Convenções sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares, e a nível multilateral, através da sua participação nas organizações internacionais. É particularmente importante a ação de algumas destas organizações no campo das migrações, com destaque para o Conselho da Europa, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Económico (OCDE) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), das quais Portugal é membro, considerando sobretudo os instrumentos de direito internacional aprovados no âmbito das suas atividades, como é o caso das Convenções do Conselho da Europa relativa ao Estatuto do Trabalhador Migrante, sobre a participação dos estrangeiros na vida pública ao nível local e sobre a nacionalidade, bem como as convenções relativas aos trabalhadores migrantes no âmbito da OIT e da ONU, nomeadamente as convenções 97 e 143 da OIT e a Convenção Internacional sobre a proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias da ONU.

No que respeita à distribuição das comunidades portuguesas no quadro das configurações anteriormente mencionadas, é no Norte que se localiza 1/3 dos países de acolhimento das comunidades portuguesas, onde os nacionais portugueses gozam, nos casos dos países da União Europeia, do estatuto comunitário, caracterizado, em síntese, pelos princípios da livre circulação, da igualdade de tratamento e de oportunidades e da cidadania europeia, sendo-lhes reconhecido a este nível a capacidade eleitoral ativa e passiva nas eleições para as autarquias e para o Parlamento Europeu. No caso dos restantes países, a ação de proteção do Estado exerce-se através da sua intervenção a nível diplomático e consular, quer a nível bilateral, quer multilateral.

No âmbito Norte-Sul, é da maior relevância este enquadramento dos movimentos migratórios portugueses, pois 2/3 dos países de acolhimento das nossas comunidades são países do hemisfério sul, localizados na América do Sul, na Ásia e na África. A atual crise está a incrementar a procura por muitos emigrantes portugueses qualificados de destinos no sul, sobretudo nos países com um crescimento mais dinâmico.

Nesses países, em geral países com um nível de desenvolvimento inferior ao dos países do norte, a proteção do Estado é mais difícil de assegurar, devido aos baixos níveis de segurança existentes em largo número deles e também à inexistência de sistemas de segurança social ou ao seu incipiente grau de desenvolvimento. De igual modo, é de assinalar que, à exceção do Brasil e da Venezuela, nenhum outro país importante de acolhimento das comunidades portuguesas, nomeadamente em África, tal como a África do Sul e os PALOPS, ratificou qualquer das convenções da OIT e da ONU anteriormente mencionadas, designadamente a Convenção n.º 97 da OIT. A situação dos portugueses no Brasil é um caso completamente aparte, onde os portugueses gozam em matéria de direitos civis e políticos um estatuto equiparado ao dos nacionais, nos termos e condições do Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses. Com Angola, foi assinado o Protocolo Bilateral entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República de Angola sobre Facilitação de Vistos em 15 de Setembro de 2011. Com outros países, em matéria de segurança social, estão em curso diligências com a Argélia, Brasil, Cabo Verde, Filipinas, Índia, Marrocos, Moçambique, Tunísia e Ucrânia. É também no quadro da proteção dos nacionais residentes nos países em apreço que está a ser prestado na República da África do Sul apoio psicológico a vítimas de crime e foram criados os programas ASIC-CP (Apoio social a idosos carenciados das comunidades portuguesas) e ASEC-CP (Apoio social a emigrantes carenciados das comunidades portuguesas). Os dois programas constituem medidas de apoio social dirigidas aos portugueses idosos carenciados das comunidades portuguesas, residentes designadamente na África do Sul, Angola, Argentina, Brasil, Moçambique, Uruguai e Venezuela. No 4.º trimestre de 2012, o ASIC-AP registou 847 beneficiários em pagamento, distribuídos por 15 países – Angola (22), Argentina (17), Brasil (547), Colômbia (1), Cabo Verde (8), Marrocos (2), Macau (2), Moçambique (66), Uruguai (14), R.D. Congo (2), Venezuela (70), África do Sul (65), Zimbabwe (29), Índia (1) e Suazilândia (1), no total de € 1.658.368,91. O ASEC-CP registou 6 beneficiários distribuídos por 4 postos consulares – Rio de Janeiro (2), São Paulo (2), Maputo (1) e Beira (1), com uma despesa de €12.303,32.

Como nota geral, os portugueses desfrutam na generalidade dos países de acolhimento de uma situação satisfatória, com imensos casos de compatriotas a terem conseguido singrar nos negócios ou ocupar posições de relevo em muitos outros setores. Não obstante esse generalizado sucesso, não se poderá deixar de considerar que muitos dos que partiram para procurar melhores condições no estrangeiro tinham um baixo ou nenhum nível de escolaridade. Como reconhece Manuel Dias, na obra já citada, “parte dessa força de trabalho o único “diploma” que levava na bagagem era o da férrea vontade de vencer ou de ganhar o combate por melhores condições de vida, ainda que à custa de muitos sacrifícios”. A falta de qualificações profissionais ou outro tipo de causas, tal como a crise dos últimos anos, com particular incidência nos ramos de atividade que mais ocupavam mão-de-obra imigrante, a insegurança em países de África e da América Latina e o generalizado envelhecimento das nossas comunidades, estão a atingir alguns setores das nossas comunidades e, por consequência, a estar na origem de preocupantes bolsas de pobreza, sobretudo naqueles países onde não existem sistemas de proteção social ou o âmbito das prestações asseguradas é ainda muito limitado. Há nas comunidades problemas, contrariamente à imagem divulgada pelos órgãos de comunicação social, que exigem por parte do Estado o seu adequado acompanhamento e a necessária diversificação de programas, medidas e ações.

No que respeita aos outros dois eixos, correspondem eles também a áreas em que é fundamental a intervenção do Estado, nomeadamente no que respeita ao ensino do português, mas, relativamente aos quais, as comunidades, através das suas estruturas representativas, têm desde sempre desempenhado um papel da maior relevância, que importa cada vez mais estimular, considerando a importância, tanto de uma, como de outra, para o desenvolvimento e a projeção das comunidades, bem como para a defesa dos interesses do País. Por parte do Estado, que me parece não ter descurado o cumprimento dos seus deveres nessas matérias, são de sublinhar o importante investimento realizado na área do ensino, e as múltiplas iniciativas que tem promovido para promover a participação cívica e eleitoral, assim como a manutenção e o aprofundamento da ligação das comunidades ao país, através de medidas como a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas, a abertura do recém Gabinete de Apoio ao Investidor da Diáspora, o apoio prestado aos órgãos de comunicação e ao movimento associativo das comunidades. Por parte das comunidades, através das suas estruturas representativas, teremos a seguir a oportunidade de ouvir os representantes de alguns dos movimentos mais representativos da diáspora aqui presentes.

 

O movimento associativo da diáspora, a necessária colaboração institucional

Antes que cada um deles tome a palavra, gostaria de salientar quanto importante considero que no futuro se venha a institucionalizar e a desenvolver a colaboração entre o Estado e as organizações das comunidades. Mais do que nunca, essa colaboração é hoje indispensável, sobretudo para o Estado manter a ligação das comunidades ao País, pois como o assinala o sociólogo João Teixeira Lopes, autor do estudo sobre Novos Emigrantes para França: a geração Europa, em declarações prestadas ao Jornal Público do dia 8 do passado mês de outubro, Portugal corre o risco de perder o rasto dos novos emigrantes.

Numa entrevista ao Jornal i de 19 do referido mês de outubro, João Salgueiro, economista e antigo Ministro das Finanças disse a certo passo o seguinte: -“…Temos feito com que os rendimentos e capitais sejam menos atraídos para Portugal. Vivemos até há 15 anos de uma medida que se tomou em 1976 e que trouxe mais dinheiro para Portugal do que o que veio da UE. O que se fez foi autorizar os emigrantes a ter depósitos em moeda estrangeira, que mais ninguém tinha. Deixaram de pagar impostos sobre os juros dos depósitos e tinham um crédito automático igual ao volume dos eus depósitos. Entrou dinheiro de todos os lados. Chegámos a ter 13% do PIB esse modo. Se agora tivéssemos 6% do PIB assim, não teríamos problemas”.

É um exemplo, entre muitos outros, que penso nos poderá estimular a refletir sobre a importância das comunidades para Portugal e o potencial que a sua contribuição poderá ter nos vários setores da vida nacional.

 

Lisboa, 24 de outubro de 2013

 

Victor Lopes Gil

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